Almir Pazzianotto  Pinto.

Almir Pazzianotto PintoConfesso sentir dificuldade para entender mensagens que me enviam pela internet, emitindo opinião relativa a textos publicados sobre o momento político. Habituado a escrever artigos desde longínquo passado como militante da imprensa sindical, e de colunista sobre matéria trabalhista de Notícias Populares, aprecio manifestações dos leitores. Provam, afinal, que ainda sou lido.

Quando analiso a conduta pública do presidente Jair Bonsonaro, as opiniões se entrechocam: de um lado aqueles que o condenam; de outra parte aqueles que o justificam. Tratarei das críticas ao Poder Legislativo. As acusações comuns são de corrupção, de malversação do dinheiro público, de que deputados e senadores ignoram as necessidades do povo, de cuidarem apenas de interesses pessoais, de vadios e ausentes. Comandados por Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, e David Alcolumbre, presidente do Senado, estariam conspirando para derrubar o presidente Bolsonaro, antecipando o final do mandato.

Pois bem, a Constituição de 1988, apesar de retalhada, afirma que vivemos em Estado Democrático. O Poder, segundo o parágrafo único do artigo 2º, “emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”. O artigo 3º determina: “São Poderes da União, independentes e harmônicos, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Trago à lembrança o que reza o artigo 14: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos e, nos termos da lei, mediante: I. plebiscito; II. Referendo; III. Iniciativa popular.”

O Poder Judiciário não é integrado por representantes  eleitos pelo povo. Veja-se o caso do Supremo Tribunal Federal (STF), composto “de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada” (Art. 101). Embora a livre indicação do Presidente se submeta ao escrutínio do Senado, não se tem notícia de alguém que tenha sido reprovado.

Conhecemos deputados federais médicos, advogados, engenheiros, empresários, operários, militares, servidores públicos, artistas, apresentadores de rádio e de televisão, bispos e pastores evangélicos, humoristas, além de arrivistas, picaretas e desocupados. É interessante a variedade. Se examinarmos o rol de presidentes da mesa diretora da Câmara, dos últimos 20 anos, encontramos Aécio Neves (PSDB), Efraim Morais (PFL), João Paulo Cunha (PT), Severino Cavalcanti (PP), José Tomás Nonô (PFL), Aldo Rebelo (PCdoB), Arlindo Chinaglia (PT), Michel Temer (PMDB), Marco Maia (PT), Henrique Eduardo Alves (PMDB), Eduardo Cunha (PMDB), Waldir Maranhão (PP), Rodrigo Maia (DEM). Na presidência do Senado vamos, nos mesmos 20 anos, de Antonio Carlos Magalhães a David Alcolumbre, passando por Jáder Barbalho, Edison Lobão, Renan Calheiros, Eunício Oliveira.Todos, sem exceção, escolhidos pelos pares, eleitos pelo povo.

São 35 os partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral. Com assentos na Câmara dos Deputados temos 19. No Senado 11. Escreveu o filósofo espanhol Ortega Y Gasset que “A saúde das democracias, quaisquer que sejam o seu tipo e seu grau, depende de um mísero detalhe técnico: o processo eleitoral”. Lembrou, também, Ortega Y Gasset a frase de Macaulay: “Em todos os séculos os exemplos mais vis da natureza humana deparam-se entre os demagogos” (A Rebelião das Massas, Livro Ibero-Americano, RJ, 1959). O sucesso do processo eleitoral brasileiro é medido pelos resultados, e os resultados pela péssima opinião pública sobre o Poder Legislativo.

Passando de períodos de arbítrio para alguns anos de democracia, ou de hiperdemocracia, o Brasil ainda não se encontrou, nem se definiu. Para quem pede a volta da ditadura, o problema é que nunca serão eternas. Em algum momento, sob irresistível pressão da opinião pública, o poder será devolvido aos civis, como ocorreu em março de 1985, quando o ilustre presidente João Figueiredo deixou o Palácio do Planalto pela porta dos fundos. Com baionetas pode-se fazer tudo, menos sentar-se sobre elas, disse Talleyrand a Napoleão.

O Poder Legislativo tem defeitos. Se estamos insatisfeitos vamos aperfeiçoa-lo com o voto. É o que se espera do eleitorado. O cidadão comparece às urnas para a escolha do representante nos Poderes Legislativos e Executivos. Poderá escolher bem e poderá escolher mal. Se vender o voto ou concedê-lo por amizade, simpatia, vizinhança, admiração a cantor, religião, jogador ou canalha, não venha a chorar sobre o leite derramado. A escolha foi sua.

Quanto à conspiração de Rodrigo Maia e David Alcolumbre, tudo não passa de psicótica ilusão. Demência é a desproporção entre objetivos e meios, disse Napoleão. Ambos os dois reunidos  – como diria Rui Barbosa – não oferecem perigo ao presidente Jair Bolsonaro, salvo se S. Exa. mostrar-se incapaz de conviver com os Poderes Legislativo e Judiciário. Não é, porém, o que se espera do ex-deputado federal, hoje na chefia do Poder Executivo, juramentado a defender Constituição.            

Almir Pazzianotto  Pinto.

Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.