O crescente número de processos na Justiça do Trabalho requerendo a responsabilização subsidiária de empresas tomadoras de serviços em créditos trabalhistas devidos pela empresa terceirizada, as denúncias de precarização das condições de trabalho, e a ausência de uma lei específica sobre a terceirização, que talvez pusesse fim a estes conflitos tem chamado a atenção do Tribunal Superior do Trabalho, da Câmara dos Deputados, de organizações sindicais e outras instituições ligadas ao setor. O TST, por exemplo, promoverá a primeira audiência pública sobre o tema, o Congresso tem em sua pauta projetos de lei que poderão trazer mudanças significativas para o setor, e as organizações interessadas no tema fazem pressão por providências do governo.
O coordenador da Coordenadoria Nacional de Fraudes nas Relações de Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, entende que a terceirização fragiliza o movimento sindical, possibilita que trabalhadores recebam salários menores, diminui o investimento na capacitação de funcionários e expõe o trabalhador a riscos. “Segundo a cartilha da Terceirização, publicação da CUT, dos 200 acidentes de trabalho fatais que aconteceram no setor petrolífero nos últimos 20 anos, 85% ocorreram entre trabalhadores terceirizados. Isso mostra a que perigo estes trabalhadores estão sujeitos”, afirma o Lima.
O procurador ainda ressalta que, em muitos casos, os trabalhadores são contratados em caráter temporário, ficam sujeitos a uma jornada de trabalho que ultrapassa 10 horas diárias e, em alguns casos, são “obrigados” a prestar serviços na condição de PJ (pessoa jurídica). “A contratação desses trabalhadores sob a forma de PJ objetiva exclusivamente a sonegação de direitos trabalhistas”, diz.
Mas, diante deste cenário que para muitos se revela como um verdadeiro atentado contra o trabalhador, o que se pode fazer do ponto de vista legal? Como a legislação brasileira trata da questão?
Pesquisa recente realizada pelo Sindeprestem, sindicato que representa as empresas prestadoras de serviços a terceiros, registrou 8,2 milhões de trabalhadores terceirizados, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, atuando nos mais diversos setores econômicos, públicos e privados do país. Hoje, o setor é citado apenas na Súmula 331 do TST. O enunciado permite que uma empresa terceirize apenas a força de trabalho relacionada à atividade meio da empresa, não a atividade fim. Além disso, registra que a empresa tomadora é subsidiária no tocante às obrigações trabalhistas. Ou seja, caso o empregador não pague os créditos devidos ao empregado em virtude dos serviços prestados, será a tomadora responsável por estes pagamentos.
Em notícia publicada pela ConJur, em que o trabalhador recorria à tomadora de serviço para receber créditos trabalhistas, o TST responsabilizou a Petrobrás por um acidente com um rebocador que resultou na morte de um dos marinheiros. A corte condenou a companhia e a Equipemar, empregadora do marinheiro, a pagarem R$ 150 mil de indenização por danos morais à família do homem.
Neste caso, um marinheiro de convés da Equipemar fazia manobra de atracação entre dois petroleiros da Petrobrás, quando um cabo foi sugado pela hélice do rebocador, enroscou-se e ficou preso nos pneus de proteção da embarcação. Diante da situação, o comandante teria ordenado que o marinheiro soltasse o cabo. O problema foi que a hélice esticou o cabo com tamanha força que ele se soltou da defensa e, em zigue-zague, atingiu o corpo do marinheiro. Ele morreu com a força do impacto, que esmagou seu rosto e pescoço contra uma das estruturas metálicas da embarcação.
A Justiça do trabalho tem entendido que se a União foi beneficiada com o trabalho desempenhado pelo empregado, logo, sua condição de ente público não poderia servir para excluir a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto aos créditos de natureza trabalhista atribuídos à empresa contratada. A ideia é que União tem o dever de fiscalizar o cumprimento das obrigações da empresa interposta com seus empregados. Do contrário incorre em culpa, sujeitando-se à responsabilização subsidiária.
A questão – polêmica – já foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal. Após sucessivos recursos desprovidos em instâncias inferiores o Banco Central recorreu ao STF para se eximir da responsabilidade de saldar dívidas trabalhistas que a terceirizada tinha para com um empregado. No julgamento, o STF ressalvou a possibilidade de a administração pública ser responsabilizada em caso de configuração de responsabilidade subjetiva, ou seja, quando se identificar, a partir de eventual omissão da administração, a existência de culpa por negligência.
Com relação aos tomadores de serviços da esfera pública, a Lei de Licitações (Lei 8.666/93) prevê expressamente alguns mecanismos para evitar ou minimizar os prejuízos com o inadimplemento da contratada, como a prestação de garantia de até 5% do valor do contrato (caução, seguro-garantia ou fiança bancária, artigo 56) e o poder de fiscalizar o contrato (artigo 67).
O presidente do Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros (Sindeepres), Genival Beserra Leite, também acredita que é preciso criar uma legislação específica para o setor, para evitar abusos por parte das empresas e oferecer maior respaldo jurídico aos empregados. Mas ressalta que, por exemplo, a baixa remuneração dos funcionários, se comparada com aqueles que desenvolvem mesma função para empresas não terceirizadas ocorre, na maioria das vezes, na categorias da “base da pirâmide”, que seria as atividades de portaria, limpeza, segurança, etc. “Mesmo sendo terceirizadas, nas funções que exigem maior qualificação profissional, não existe essa discrepância na diferença salarial, é preciso pontuar que não se deve eliminar o serviço terceirizado e sim aprimorá-lo.”
Mudanças legislativas
Para estabelecer diretrizes sólidas e eficientes à terceirização, alguns processos já tramitam na Câmara dos Deputados. Entre eles, um de autoria do deputado Vicentinho (PT-SP) – e que contou com a participação da CUT na sua elaboração, o PL 1.621/2007. Nele propõe-se regulamentar a terceirização no setor privado e nas empresas de economia mista, ou seja, não abrangendo o setor público, que segundo a justificativa do projeto seria regido por leis específicas.
Entre as adequações trazidas pelo PL, seria estipulada por lei a proibição da terceirização na atividade-fim; a responsabilidade solidária da empresa contratante pelas obrigações trabalhistas; a igualdade de direitos e de condições de trabalho entre trabalhadores terceirizados e não terceirizados e a punição das empresas infratoras.
Mas não é apenas o PL 1.621/2007 que tramita e pretende por fim a toda essa discussão. Existem outros, e alguns caminham em sentido contrário. O PL 4.302/1998, de autoria do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), pretende regulamentar a terceirização no setor público, e o Projeto de Lei 4.330/2004, do deputado Sandro Mabel (PL-GO), admite a possibilidade de quarteirização e impõe barreiras a qualquer possibilidade de caracterização de vínculo empregatício com as empresas tomadoras de serviços. Outra alteração radical que este PL traria, se aprovado, é a permissão de trabalho terceirizado na atividade fim da empresa.
Iniciativas do Judiciário
O TST também já está adotando iniciativas para colaborar com o tema. Nos próximos dias 4 e 5 de outubro promoverá a primeira audiência pública sobre terceirização. Durante a audiência, a corte pretende abordar a manutenção do critério de atividade-fim do tomador de serviços, atualmente adotado pelo TST para declarar a licitude ou ilicitude da terceirização; a terceirização em empresas de telecomunicações ou concessionárias de energia elétrica (principalmente nas áreas de telemarketing ou call center e na instalação, manutenção e reparo de redes e linhas telefônicas); a terceirização em instituições financeiras e atividades bancárias, como nas áreas de promoção de vendas, correspondência postal, recursos humanos, caixa rápido e cobrança, entre outros; e a terceirização em empresas de tecnologia da informação e comunicação e em empresas de alimentos e bebidas (promotores de vendas em supermercados, por exemplo).
Durante o período de inscrição, o TST recebeu 221 pedidos de participação na audiência e 49 foram selecionadas, entre os participantes estarão juristas, acadêmicos, juízes, representantes de entidades de classe patronais e de empregados. Os professores José Pastore, Márcio Pochmann, Nelson Mannrich e Ricardo Antunes, os deputados federais Sandro Mabel e Vicentinho e o procurador do trabalho Sebastião Vieira Caixeta foram selecionados pelo tribunal para participar da audiência.
Fonte: Rogério Barbosa– Revista Consultor Jurídico